A prática de locação de imóveis urbanos é muito comum no Brasil. A Lei do Inquilinato estabelece, em seu art. 23, III, que é dever do inquilino devolver o imóvel no estado em que o recebeu, salvo as deteriorações decorrentes do seu uso normal.
O que isso significa na prática? Quais as obrigações do inquilino para garantir a conservação do imóvel? Quais medidas o proprietário pode tomar caso o inquilino entregue o imóvel em piores condições?
Este guia buscará auxiliar na resposta a estas perguntas.
Um laudo de vistoria descreve as condições de conservação do imóvel no momento em que é assinado. Assim, detalha, por exemplo, o estado da pintura, das paredes, dos carpetes ou de móveis do imóvel locado.
É comum que se faça um laudo de vistoria quando um contrato de locação é firmado, logo que o locatário (ou inquilino) recebe as chaves.
Este laudo é importante porque permite comprovar o estado em que o imóvel foi entregue ao inquilino. Como uma das principais obrigações do inquilino é devolver o imóvel nas mesmas condições em que o recebeu, o laudo servirá de parâmetro para conferir se isto, de fato, ocorreu.
Idealmente, o laudo de vistoria deve descrever, entre outras informações que podem ser relevantes:
Além das descrições propriamente ditas, para aumentar a qualidade do documento, podem ser anexadas ao laudo de vistoria fotografias que demonstrem as condições do imóvel.
Quanto mais detalhado o laudo, maior será a segurança do locador, que poderá exigir, ao final da locação, que o imóvel e os bens que o integram sejam devolvidos exatamente como recebidos - ressalvadas, obviamente, as alterações, defeitos ou problemas decorrentes do uso normal e da deterioração natural dos bens.
O laudo de vistoria deve ser assinado pelo inquilino, pelo proprietário e pelos fiadores.
Menos usual, é possível a elaboração de um laudo de vistoria ao final do contrato de locação, logo antes da devolução das chaves.
Este laudo serve como prova tanto para o inquilino quanto para o proprietário, uma vez que permite a comparação entre o estado inicial do imóvel (logo que foi entregue ao inquilino) e o estado em que foi devolvido. Se houver discrepâncias, o locador poderá cobrar do inquilino a adoção de providências para que o imóvel retorne ao estado original, no qual foi entregue.
Se não houver nenhum tipo de laudo de vistoria, o proprietário pode ter dificuldades de comprovar que o inquilino não cumpriu o dever de restauração do imóvel às condições originais.
Do lado do inquilino, o laudo de vistoria final pode ser importante para comprovar a existência de benfeitorias (necessárias, úteis ou voluptuárias) que devam ser indenizadas (ou seja, pagas) pelo proprietário.
Benfeitorias necessárias são aquelas necessárias à conservação e à manutenção da funcionalidade do imóvel e devem ser arcadas pelo proprietário, ainda que a necessidade seja identificada pelo inquilino. São exemplos de situação deste tipo: o reparo de infiltrações e de rachaduras estruturais, a remoção de mofo decorrente de infiltrações, entre outros.
Benfeitorias úteis - ou seja, reformas que visam aumentar conforto e facilidade do uso do imóvel - apenas serão indenizadas em caso de autorização por escrito do proprietário para que sejam feitas. É o caso, por exemplo, de uma reforma do banheiro da propriedade, por exemplo, realizada apenas para melhorar o cômodo.
Benfeitorias voluptuárias, realizadas para prazer, luxo ou conforto do inquilino, não serão indenizadas pelo proprietário. É o caso, por exemplo, da pintura das paredes do imóvel em cor diferente daquela original ou da construção de uma piscina no imóvel. O inquilino poderá remover as benfeitorias voluptuárias ao final do contrato, desde que sua remoção não danifique a estrutura do imóvel.
Sobretudo nos contratos não submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, é importante que o inquilino fique atento para a existência de cláusulas de não indenização, comuns em contratos de locação. Caso existam, em geral o inquilino deve solicitar diretamente ao proprietário, por escrito, todos os reparos necessários quando ele mesmo não for o responsável direto pelo problema que pretende resolver. Além disso, para evitar problemas, o inquilino deve, idealmente, negociar melhorias por escrito antes de fazê-las, a fim de garantir seu devido ressarcimento.
Entre as atitudes normalmente realizadas pelo inquilino para devolver o imóvel alugado nas condições em que o recebeu, as seguintes são bastante comuns:
Durante a ocupação do imóvel o inquilino deve tomar cuidados para que maçanetas, torneiras, interruptores, sistema elétrico, sistema hidráulico, portas e móveis, entre outros, sejam utilizados de acordo com as suas respectivas funcionalidades. No momento da entrega, todos estes itens devem estar exatamente como foram recebidos, exceto nos casos em que o tempo da locação possa afetar o funcionamento ou a qualidade de algum bem.
A título de exemplo, é possível que, durante o período da locação, alguns bens como maçanetas ou dobradiças enferrujem. O inquilino tem o dever de atuar para a conservação do imóvel, mas algum grau de deterioração é natural e não pode ser questionado pelo proprietário. O assunto, porém, será verificado caso a caso.
Outros exemplos possíveis de deterioração aceitável: escurecimento natural de determinados tipos de piso, desgaste natural de rebocos e alteração natural da cor de alguns móveis e materiais.
Vale dizer que problemas e danos verificados no imóvel que tenham ocorrido em virtude de fatos ou situações que já existiam no momento da locação não são, via de regra, de responsabilidade do inquilino, mas do proprietário. Enquanto o inquilino tem o dever de conservar o imóvel e seus acessórios, o proprietário tem o dever de entregá-los ao inquilino em plenas condições de uso.
Caso seja comprovado que o inquilino entregou imóvel em piores condições, ao fim do contrato, o proprietário pode notificá-lo para realizar os reparos que que se fizerem necessários. Além do pedido de providências propriamente dito, a notificação pode conter outras informações, como uma descrição do estado inicial e do estado final do imóvel ou o prazo fixado para realização dos consertos.
Idealmente, detalhes como o prazo para conclusão dos reparos e os materiais a serem utilizados devem ser definidos em comum acordo entre proprietário e inquilino. Se não for possível, porém, o proprietário pode fixar um prazo razoável para que o inquilino adote as providências que forem necessárias.
Esta notificação pode ser enviada por e-mail, por mensagem, por carta com aviso de recebimento, via cartório ou pode ser entregue pessoalmente, entre outras possibilidades. Em qualquer caso, é importante que haja alguma forma de comprovar tanto o envio pelo proprietário quanto o recebimento pelo inquilino, o que pode ser feito por meio da solicitação de um recibo, em caso de e-mails ou de entregas pessoais, por exemplo. Nos casos de envio de carta com aviso de recebimento ou de notificação extrajudicial via cartório, o recibo é coletado pelo próprio agente que realiza a entrega.
Além de encaminhada ao inquilino, a notificação também pode ser enviada aos fiadores, já que eles podem eventualmente ser responsabilizados pelos danos causados pelo inquilino ao imóvel. Além disso, em alguns casos, o próprio contrato de locação prevê que os fiadores são responsáveis por arcar com reparos no imóvel entregue em piores condições caso o próprio inquilino não o faça.
Caso a notificação ou as tentativas de negociação sejam infrutíferas, e o inquilino se recuse a realizar as obras devidas, o proprietário deverá recorrer a um advogado para se orientar quanto às possíveis ações a serem adotadas. Poderá ser possível, por exemplo, ingressar em juízo para obrigar o inquilino a realizar os reparos ou para requerer indenização em virtude de consertos feitos pelo proprietário que deveriam ter sido realizados pelo inquilino.