A presença de animais em condomínios é um recorrente motivo de discordância entre os moradores. As razões para discussão são muitas: vão desde o barulho ou o mal cheiro gerado pelos bichos até o fato de que alguns moradores não gostam ou têm medo de determinados animais. Neste cenário, é importante saber: o condomínio pode proibir que os moradores tenham animais?
Dar uma resposta a essa pergunta é muito importante, já que, no Brasil, é muito comum que os condomínios proíbam seus moradores de terem animais de estimação.
Este guia se aplica à posse e à propriedade de animais de estimação em condomínios edilícios, ou seja, em condomínios em edificações. São exemplos deste tipo de condomínio os prédios de apartamentos e os prédios de salas comerciais. Para outros tipos de condomínio, este guia pode não ser aplicável.
Tais proibições se manifestam de diversas formas. O mais comum é que a própria convenção de condomínio contenha a regra que proíbe os moradores de manterem animais no interior de suas unidades autônomas. Mas pode também haver casos em que essa regra esteja em outras normas do condomínio, como no regimento interno, em deliberações da assembleia de condôminos ou, ainda, em determinações tomadas pelo síndico ou por outros órgãos da administração.
Assim, a resposta à pergunta inicial influencia diretamente na validade destas normas. Isso porque se o condomínio não puder proibir que os moradores tenham animais, então a norma condominial que contiver esta proibição será inválida.
Segundo recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, a convenção de condomínio não pode proibir, de forma genérica, que os moradores tenham animais de estimação. Isso significa que, segundo o entendimento do tribunal, normas que contenham formulações que proíbam que os moradores tenham animais de estimação em todo e qualquer caso são inválidas.
A justificativa para este entendimento, em linha gerais, é a seguinte: uma proibição genérica ofende diretamente o direito de propriedade que o morador tem sobre seu bicho.
Pela lei brasileira, os animais são considerados coisas. Por esse motivo, a pessoa que tem um animal de estimação é sua proprietária, exercendo sobre ele todos os direitos inerentes à propriedade, assim como acontece com a propriedade de coisas em geral.
Dessa forma, a convenção de condomínio jamais poderá conter uma norma do tipo: "é proibida a criação ou a guarda, pelos moradores, de animais de estimação de qualquer espécie".
Apesar disso, ainda que uma pessoa tenha um direito, ele, em geral, não pode ser exercido de forma absoluta. Em outras palavras: existem limites para que uma pessoa possa exercer seus direitos. A lei determina que os condôminos, em um condomínio, não podem utilizar suas unidades autônomas de modo a prejudicar a segurança, a saúde e o sossego dos demais. O condômino também não poderá, segundo a lei, utilizar sua unidade autônoma de modo a ofender os bons costumes.
Um condomínio é composto, basicamente, por uma área comum e por unidades autônomas. A área comum compreende todas as estruturas do prédio que pertençam, conjuntamente, a todos os condôminos, podendo ser utilizadas igualmente por todos (ex.: hall de entrada, elevadores, escadas, fachada, quadra esportiva, entre outros). As unidades autônomas, por sua vez, são as áreas sujeitas à propriedade exclusiva de determinado condômino (ex.: em um prédio de apartamentos, cada apartamento é uma unidade autônoma).
Por esse motivo, a justiça entendeu que a convenção de condomínio pode proibir que os moradores tenham animais de estimação que ofereçam risco à segurança, à higiene, à saúde e ao sossego, sendo que a comprovação do risco será feita caso a caso. Assim, por exemplo, a convenção poderá conter regra do tipo: "é proibida a criação e a guarda, pelos moradores, de animais que causem incômodos aos demais moradores".
A decisão judicial aqui comentada não estabeleceu parâmetros para que se possa determinar o que é uma proibição genérica, limitando-se a mencionar o extremo no qual a convenção proíbe que os moradores tenham um animal de estimação de qualquer espécie. Não há, portanto, dúvidas de que uma norma de convenção de condomínio que proíbe os moradores de terem qualquer tipo de animal de estimação é inválida.
Restam dúvidas, no entanto, quanto à possibilidade de se prever que animais de determinada raça ou de determinado porte sejam proibidos. Parece-nos que uma proibição desse tipo também não seria possível, já que a decisão diz que o risco oferecido pelo animal deve ser analisado caso a caso. Ou seja, ao que tudo indica, a posse e guarda de qualquer animal de estimação seria, a princípio, permitida, exceto se for verificado que aquele animal, no dia-a-dia do condomínio, causa incômodo aos demais moradores.
Dessa forma, uma regra que proíba os moradores de terem apenas "cachorros" seria inválida, ainda que permita a criação e a guarda de outros tipos de animais (como gatos e pássaros, por exemplo). Isso porque para saber se um determinado cachorro oferece algum risco ou não, seria necessário averiguar se aquele cachorro, especificamente, gera incômodos aos demais moradores.
Da mesma forma, a decisão dá a entender, também, que uma regra que proíba apenas animais de uma raça específica (ex.: poodles, pinchers, etc.) seria, igualmente, inválida, já que a verificação do risco teria de acontecer caso a caso.
Por tudo o que foi dito até aqui, é possível concluir que, ainda que a convenção de condomínio não fale nada sobre o assunto, um morador somente poderá criar e manter a guarda de um animal de estimação se ele não incomodar os demais moradores. Se o incômodo ocorrer, então a proibição será possível.
É claro que, se o incômodo for suportável, não há que se falar em proibição. Da mesma forma, o simples fato de uma ou mais pessoas não gostarem de animais de estimação não é motivo suficiente para que o proprietário de um bicho seja privado do seu direito de criá-lo em sua unidade autônoma. Por outro lado, se, por exemplo, um morador tem um animal que sempre faz muito barulho durante a noite, prejudicando o sono e o sossego dos demais de forma recorrente, será possível, ao menos em tese, proibir que o proprietário do animal o crie dentro das dependências do condomínio.
Em todo caso, antes de tomar qualquer medida, é importante que os condôminos procurem a ajuda de um advogado, que poderá lhes auxiliar de forma mais precisa na análise da situação e das possíveis soluções.
A decisão judicial mencionada anteriormente trata, especificamente, dos casos em que a proibição da guarda e criação de animal de estimação decorre de regra prevista na convenção de condomínio. Resta saber, portanto, se as outras normas do condomínio (tais como regimento interno, decisões da assembleia e decisões da administração) devem seguir o mesmo raciocínio aplicável à convenção, ainda que este assunto não tenha sido explicitamente abordado pela decisão judicial. E a resposta é: sim.
Ora, se a convenção de condomínio, que é a principal norma dentro de um condomínio, não pode proibir genericamente que os moradores tenham animais de estimação, muito menos poderão as outras normas, que são, todas elas, submetidas à convenção.