Quando uma pessoa morre, todo o seu patrimônio (incluindo bens, direitos, obrigações, créditos e dívidas) será transferido para os seus herdeiros, sejam eles necessários (aqueles que a lei estabelece como herdeiros do falecido) ou testamentários (aqueles que o próprio falecido estabeleceu como herdeiros, em testamento).
Um testamento pode ser utilizado tanto para que uma pessoa decida como quer repartir porções de sua herança quanto para que decida dar a alguém um bem específico que lhe pertence, depois de sua morte.
No primeiro caso, o beneficiado pelo testamento recebe uma porcentagem da herança, ou seja, uma porcentagem de todo o patrimônio da pessoa que o fez, incluindo, como já dito, bens, direitos, dívidas, etc. No segundo caso, os bens específicos designados pela pessoa que faz o testamento a alguém recebem o nome de legado.
O legado e a herança, apesar de similares, são distintos um do outro. Este guia foi pensado para tratar somente da cessão de herança, e, portanto, não se aplica à cessão de legado.
Nesta situação, é possível que um ou mais herdeiros queiram ceder uma parte - ou mesmo a totalidade - da herança recebida para uma outra pessoa. Esta operação de transferir a herança a um terceiro recebe o nome de cessão de herança. A parte que realiza a cessão é chamada de cedente, enquanto a que recebe a herança, ou parte dela, é chamada de cessionária.
Este guia é destinado a auxiliar eventuais interessados a compreender um pouco melhor as normas brasileiras que regulamentam a cessão de herança, já que este é um assunto que pode gerar bastantes dúvidas tanto em quem pretende receber quanto em quem pretende ceder uma herança.
Como já dito, a herança é um conjunto que inclui todo o patrimônio do falecido. Têm direito a recebê-la (integral ou parcialmente) tanto aquelas pessoas às quais a lei atribui este direito (por exemplo, os filhos, o cônjuge, os pais, entre outros, conforme for o caso) quanto aqueles que o falecido determinar que têm este direito por meio de um testamento. Ou seja, poderão realizar a cessão tanto os herdeiros necessários quanto os testamentários.
Se o cedente for incapaz, a cessão de herança somente poderá ser feita mediante autorização judicial. Nestes casos, o interessado deve procurar um advogado que possa orientá-lo sobre como proceder.
Pela lei brasileira, são considerados incapazes, dentre outros: os menores de idade, os interditados judicialmente ou aqueles que, em virtude de alguma circunstância transitória ou permanente qualquer, não possam exprimir sua vontade.
A pessoa que recebe uma herança somente pode cedê-la após a morte da pessoa que a deixou. Isso porque, juridicamente, a herança só existe depois que a pessoa morre.
Ex.: Suponha que Hermes, filho de Alberto, deseja ceder a herança que receberá de seu pai quando ele falecer. Acontece que, como Alberto é pessoa viva, Alberto não poderá fazer um contrato de cessão de herança, já que não se pode ceder algo que ainda não existe.
Além disso, só se pode falar em cessão de herança até que haja o inventário.
Inventário é o procedimento por meio do qual o patrimônio do falecido é devidamente identificado e distribuído entre os herdeiros, após o pagamento das dívidas eventualmente existentes. Pode ser feito judicialmente ou extrajudicialmente, em cartório. A distribuição dos bens se dá por meio da partilha.
Após o inventário, cada herdeiro já terá recebido seus bens, de modo que, por este motivo, não há mais herança a ser cedida. Uma vez terminado o inventário e a partilha, portanto, o herdeiro poderá, por exemplo, doar ou vender os bens que tiver recebido, devendo fazer um contrato de compra e venda ou um contrato de doação diretamente, conforme for o caso.
Ao realizar um contrato de cessão de herança, um herdeiro jamais poderá ceder um bem específico, individualmente considerado, ainda que o patrimônio da pessoa que faleceu seja constituído somente por um bem.
Como já dito anteriormente, a herança é um conjunto que engloba todo o patrimônio do falecido. A lei determina que os bens, direitos e obrigações que integram este conjunto não podem ser individualmente cedidos até o momento da partilha, após a realização do inventário. Isto porque, dentre outros motivos, é durante o inventário que serão apuradas as eventuais dívidas do falecido, sendo que os seus bens é que serão utilizados para pagá-las.
Ex.: Suponha que Ernesto, pai de Julieta, sua única herdeira, deixou um carro avaliado em R$ 50.000,00 e uma casa no valor de R$ 600.000,00. Suponha, ainda, que Ernesto tinha dívidas no valor de R$ 30.000,00. A herança de Ernesto, portanto, compreende o imóvel, o carro e as dívidas, sendo que tudo isto, junto, é automaticamente transmitido para Julieta no momento da morte de Ernesto. Julieta, se quiser, poderá ceder qualquer porcentagem da herança a que tem direito. Se quiser, por exemplo, ela pode ceder 80% e manter 20% para si. Neste caso, é possível pensar que a pessoa que receber a porcentagem da herança cedida por Julieta participará do inventário como se fosse um herdeiro, mas com direito a 80% da herança.
O que Julieta não pode fazer é ceder o carro ou o apartamento isoladamente considerados, uma vez que os bens que integram a herança não podem ser divididos até a realização da partilha.
Em razão dessa proibição de se ceder um bem individualizado, antes da partilha, a pessoa que compra uma parte da herança de outra não saberá previamente aquilo que lhe será dado ao final da partilha. Assim, no momento em que negocia com o herdeiro, o cessionário não possui certeza sobre os bens que lhe serão dados após a partilha, sendo possível que receba, por exemplo, ao invés de um bem específico, uma certa quantia em dinheiro correspondente à parte que lhe cabe do valor total da herança.
As dívidas deixadas pelo falecido somente poderão ser cobradas até o limite da herança. Isto quer dizer que, via de regra, a pessoa que tem o direito de receber os valores correspondentes à dívida do falecido não poderá cobrar mais do que o que foi deixado de herança, de modo que os bens do herdeiro estarão preservados ainda que o valor da dívida seja maior que o valor dos demais bens e direitos do falecido.
Ex.: Suponha que João, pai de Ernesto, faleceu no mês de agosto de 2018, deixando um total de R$ 200 mil em dívidas não-pagas. Após contabilizado, o patrimônio total de João chega aos R$ 50 mil. Nesse caso, os R$ 50 mil deixados por João serão utilizados para pagar uma parte das dívidas em aberto. Em relação aos outros R$ 150 mil, estes ficarão, a princípio, sem pagamento. O patrimônio de Ernesto não poderá ser utilizado para pagar tais dívidas.
Para realizar uma cessão de herança, é imprescindível seguir alguns passos:
1. Definir se a cessão será parcial ou total, ou seja, se será cedida apenas uma parte da herança ou a sua integralidade;
2. Definir se ela será gratuita ou se será realizada mediante o pagamento de algum valor em dinheiro;
A definição quanto às características e às especificidades da cessão (se parcial ou total, se gratuita ou onerosa, além de outras possíveis) pode ser feita em um documento particular, como o contrato de promessa de cessão de direitos hereditários.
3. Se a cessão for onerosa (ou seja, se a pessoa que receber a herança tiver de pagar algum valor ao cedente) e se houver mais de um herdeiro, verificar se o direito de preferência dos outros herdeiros foi respeitado pelo cedente;
Antes de ceder sua parte da herança a terceiros, o cedente deverá informar os outros herdeiros de que pretende fazê-lo. Os demais herdeiros (chamados de coerdeiros), então, terão o direito de decidir se querem ou não adquiri-la, pelo mesmo preço e sob as mesmas condições.
Caso mais de um herdeiro queira exercer o direito de preferência, a cessão deverá ser feita para todos eles. Cada um adquire, assim, uma porcentagem equivalente ao seu direito na herança total.
Caso não seja respeitado esse direito de preferência, o herdeiro prejudicado terá 180 (cento e oitenta) dias, após o registro da transmissão em Cartório, para requerer a anulação dessa transferência.
4. Providenciar a elaboração de uma Escritura Pública de Cessão de Direitos Hereditários, o que deve ser feito em um Cartório de Notas, sendo que é neste documento que estarão descritas todas as condições e as cláusulas da cessão de herança (este passo deve ser seguido ainda que exista um contrato de promessa de cessão de direitos hereditários);
Para que a cessão seja válida, o cedente casado ou em união estável precisará da autorização do seu cônjuge ou companheiro.
5. Juntar a Escritura Pública de Cessão de Direitos Hereditários ao procedimento extrajudicial ou ao processo judicial de inventário para que, assim, a parte cedida seja descontada da quota-parte que cabe ao herdeiro que realizou a cessão.
Se ainda não houver inventário em andamento, o cessionário poderá dar início a este procedimento, seja judicial ou extrajudicialmente. O inventário judicial é obrigatório nos casos em que houver herdeiro incapaz, nos casos em que houver testamento e nos casos em que, havendo mais de um herdeiro, pelo menos um deles não concorda com a realização de inventário extrajudicial.
Seja o inventário judicial ou extrajudicial, o cessionário deverá procurar um advogado que possa orientá-lo e acompanhá-lo.
Renunciar à herança e cedê-la a outra pessoa não são ações equivalentes.
Na renúncia, o herdeiro abdica do direito de receber sua parte da herança, que será, então, repassada aos demais herdeiros, de acordo com o previsto em lei. Assim, a pessoa que renuncia da herança não participará da partilha nem poderá escolher quem receberá a herança em seu lugar.
Na cessão, como já explicado, o herdeiro transfere a outra pessoa uma parte ou a totalidade dos seus direitos hereditários, ou seja, da parte da herança que lhe cabe.