Como saber quando o Código de Defesa do Consumidor deve ser aplicado a um contrato?

Última revisão: Última revisão:12 de setembro de 2019
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Por que é importante saber se o Código de Defesa do Consumidor se aplica a um contrato?

Para que possam ter acesso a bens e serviços, é muito comum que as pessoas façam, entre si, contratos. Através de um contrato, duas ou mais pessoas estabelecem as regras que serão aplicadas a uma determinada transação - como a venda de um bem, a prestação de um serviço ou a realização de uma obra. O contrato poderá ser firmado tanto de forma escrita, quando as partes assinam um papel no qual estão explicadas tais regras, quanto de forma verbal, quando a negociação ocorre sem que um documento seja assinado. Ainda que não estejam descritas em um documento escrito, as obrigações assumidas por cada uma das partes são, a princípio, válidas.

Na maioria dos casos, cada uma das partes tem a oportunidade, durante o processo de negociação, de expressar a sua opinião sobre as regras que serão aplicáveis à transação combinada. Em outras palavras, ambas as partes têm iguais condições de negociar os termos dos contratos. Assim, em termos práticos, elas conversarão entre elas e se colocarão de acordo sobre a forma como o pagamento ocorrerá, o prazo para tal pagamento, o local em que as obrigações deverão ser cumpridas, etc. Em tais casos, dizemos que as partes estão em condição de igualdade, já que possuem aproximadamente o mesmo poder de influenciar o conteúdo de um contrato.

É possível, no entanto, que, em certos casos concretos, a capacidade de negociação de uma parte venha a ser restringida, em razão das condições nas quais esta ocorre. Assim, há casos em que uma parte adquire um produto ou um serviço, por exemplo, sem poder negociar com o fornecedor as regras que serão aplicadas àquela transação. Dessa forma, a parte não poderá expressar-se apropriadamente sobre o preço do produto ou do serviço, a forma como o pagamento será realizado, etc. Tais casos são muito comuns em uma sociedade de consumo como a nossa, na qual uma mesma empresa disponibiliza seus produtos e seus serviços a uma grande e indistinta quantidade de pessoas, muitas vezes pela internet, sem que haja possibilidade de negociação. São corriqueiras, por exemplo, situações nas quais compramos um bem (uma televisão, um livro, um armário, etc.) numa plataforma online, sem que nos seja dada a oportunidade de negociar as regras daquele contrato: em outros termos, apenas "aceitamos" o preço e o prazo de entrega, dentre outras condições estabelecidas exclusivamente pelo fornecedor.

Em razão da limitação do poder de negociação, o sistema jurídico brasileiro reconhece um status especial às chamadas "relações de consumo", que designam justamente tais situações nas quais um consumidor encontra-se em posição de maior vulnerabilidade em relação ao fornecedor, que concentra grande parte do poder de determinação das regras do contrato. Tais relações são regidas, principalmente, pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal n. 8.078/1990). Essa lei estabelece normas destinadas a proteger o consumidor, justamente para que ele tenha mais condições de fazer frente ao poder do fornecedor.

O Código de Defesa do Consumidor estabelece uma série de direitos ao consumidor e uma série de obrigações aos fornecedores. Sempre que um fornecedor e um consumidor firmam um contrato (de forma escrita ou verbal), tais direitos e obrigações devem ser obedecidos. Dessa forma, para garantir que um contrato seja plenamente válido diante do direito brasileiro, é necessário saber se a negociação realizada entre as duas partes constitui uma relação de consumo. Falando de outra forma, quando duas partes negociam uma transação (a compra de um bem ou a prestação de um serviço, por exemplo), é essencial saber se tal negociação é feita igualmente pelas duas partes ou se uma delas - o fornecedor - estabelece sozinha as regras que serão aplicadas. Saber se um contrato é estabelecido num contexto de relação de consumo significa, assim, garantir que todas as normas legais aplicáveis ao caso serão devidamente respeitadas. Caso contrário, o contrato poderá ser analisado e, eventualmente, modificado por um tribunal.

Como identificar quando há uma relação de consumo?

Caraterizar uma relação de consumo não é uma tarefa simples, já que a caracterização do fornecedor e do consumidor muitas vezes depende do que acontece no caso concreto. Assim, para uma identificação mais precisa, o interessado deverá procurar um advogado especialista. Apesar disso, este guia tentará dar pistas que possam auxiliar na identificação de uma relação deste tipo.

Em termos práticos, é possível dizer que, via de regra, quando um consumidor adquirir de um fornecedor de produto ou de serviço um bem ou um serviço qualquer, haverá uma relação de consumo. Assim, para saber identificar uma relação de consumo, é preciso saber quem pode ser considerado fornecedor, quem pode ser considerado consumidor, o que pode ser considerado serviço e o que é um produto. Todas estas definições podem ser extraídas do Código de Defesa do Consumidor.

Segundo o Código de Defesa do Consumidor:

1. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final;
2. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços;
3. Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial (ex.: programa de computador);
4. Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo mediante remuneração (ex.: serviços de corretagem), excluídas as atividades realizadas por um empregado ao seu empregador no âmbito de um contrato de trabalho.

As definições apresentadas pelo Código de Defesa do Consumidor, apresentadas no quadro acima, são um pouco genéricas e, por este motivo, podem gerar dúvidas. Em termos mais práticos (mas bem menos completos), esses conceitos podem ser resumidos como se segue.

A pessoa física ou jurídica que adquire um produto ou um serviço, sendo seu destinatário final, é, em regra, um consumidor. O fato de se dizer que o consumidor é o destinatário final do produto ou do serviço exclui aqueles casos nos quais, por exemplo, o produto ou o serviço é adquirido para viabilizar uma atividade empresarial (como a concessionário de veículos, que adquire carros da montadora para revendê-los a outras pessoas, e não para usá-los diretamente).

Por outro lado, a pessoa física ou jurídica que comercializa um ou vários produtos ou serviços pode ser considerada fornecedor.

Um produto, por sua vez, é uma coisa móvel (ex.: carro, geladeira, bicicleta) ou imóvel (ex.: lote, casa, apartamento, sala comercial) qualquer, podendo ser, ainda, um bem imaterial, como um programa de computador. Um serviço, por sua vez, é a atividade realizada mediante remuneração (como os serviços de corretagem), sendo que os serviços prestados no âmbito de uma relação de emprego (ou seja, de um contrato de trabalho) são desconsiderados para fins de aplicação do Código de Defesa do Consumidor.


Exemplos práticos de situações nas quais existe (ou não) uma relação de consumo

Como a lei busca proteger o consumidor em um contexto no qual ele não tem as mesmas condições de negociação que o fornecedor, se houver uma grande disparidade entre o adquirente de um produto ou serviço e aquela pessoa que o fornece, pode-se dizer, com certo grau de segurança, que o primeiro pode ser considerado "consumidor" para fins de aplicação do Código de Defesa do Consumidor (desde que, é claro, todas as definições de "consumidor", "fornecedor", "produto" e "serviço" sejam satisfeitas). Alguns exemplos de relações de consumo envolvem uma pessoa que:

  • adquire de uma grande loja de departamentos uma televisão que será utilizada em sua residência, para fins de lazer;
  • adquire um carro de uma concessionária de veículos;
  • aluga um apartamento de uma grande imobiliária, para fins de residência pessoal;
  • adquire de uma construtora um apartamento para fins de moradia.

Por outro lado, se ambas as partes tiverem as mesmas possibilidades de negociação, sendo-lhes possível negociar livremente as condições e as cláusulas do contrato firmado entre elas, pode-se dizer que não haverá relação de consumo e, consequentemente, o Código de Defesa do Consumidor não será aplicável. São, em geral, exemplos deste tipo de situação:

  • uma pessoa aluga um apartamento de uma outra pessoa física, para fins de moradia;
  • uma empresa adquire de outra empresa um estabelecimento comercial;
  • um motorista de aplicativo aluga um veículo de uma pessoa física, para utilizá-lo em seu trabalho;
  • um pedreiro realiza reparos em um imóvel pertencente a uma pessoa física ou jurídica;
  • uma empresa que fabrica roupas adquire de uma importadora de tecidos o tecido que será utilizado na confecção das roupas que serão vendidas.

Existem, ainda, outros sinais de que uma determinada relação jurídica deve ou não observar as disposições do Código de Defesa do Consumidor. Por exemplo, se o bem adquirido por uma pessoa física ou jurídica for um bem que só pode ser utilizado como bem de produção (ou seja, um bem cuja utilização só faz sentido no âmbito de uma atividade comercial, com o objetivo de viabilizar a produção ou a prestação de determinado serviço), há boas chances de que não se trata de uma relação de consumo, mas de uma simples relação comercial.

Impactos do Código de Defesa do Consumidor sobre os contratos

A existência de uma relação de consumo gera uma série de impactos sobre contratos firmados entre o consumidor e o fornecedor de produtos ou de serviços. Entre os muitos impactos gerados pela aplicação do Código de Defesa do Consumidor a uma relação de consumo, destacamos os seguintes:

  • Os contratos devem ser elaborados de forma clara e transparente, respeitando todos os direitos do consumidor;
  • Os contratos, via de regra, não podem prever multas de mora (ou seja, multas por atraso no cumprimento de obrigações) que sejam superiores a 2%;
  • Os contratos não podem conter previsões que coloquem os riscos do negócio sobre o consumidor;
  • Os contratos não podem isentar o fornecedor de responsabilidade sobre os produtos que comercializa ou sobre os serviços que presta.

Além disso, nenhum contrato realizado no âmbito de uma relação de consumo pode retirar os direitos conferidos pela lei ao consumidor. Isto significa, por exemplo, que um contrato não poderá retirar do consumidor o direito à inversão do ônus da prova em um eventual processo judicial que discuta alguma problema ocorrido entre o consumidor e o fornecedor.

No âmbito de uma relação de consumo, é possível que surja algum problema que, para ser solucionado, seja levado à justiça. Em um processo judicial, via de regra, a parte que alega determinado fato é responsável por prová-lo. No entanto, no âmbito das relações de consumo, é muito comum que a justiça determine, por exemplo, que caberá ao fornecedor provar que o fato alegado pelo consumidor não aconteceu ou aconteceu de forma diferente da narrada por ele. Nestes casos, acontece o que se chama comumente de inversão do ônus da prova, que é um direito garantido ao consumidor em boa parte dos casos.

A lei prevê expressamente que o consumidor tem direito à modificação de cláusulas contratuais desproporcionais (ou seja, cláusulas que privilegiem o fornecedor em detrimento do consumidor). Prevê, ainda, que o consumidor tem o direito à revisão de cláusulas que se tornem excessivamente onerosas no decorrer do contrato.

A lei estabelece, ainda, que o consumidor tem direito a "informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem".

Por fim, é preciso ressaltar que os direitos do consumidor aqui mencionados são apenas alguns dentre os vários outros previstos em lei, sendo que, além do Código de Defesa do Consumidor, existem outras leis destinadas à sua proteção, abrangendo diversas áreas distintas. Para informações mais precisas e específicas para um determinado caso, o interessado deverá, preferencialmente, buscar um advogado.

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